Função e estrutura das empresas estatais
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As sociedades estatais são instrumentos do Estado para atuação no domínio econômico. Elas não só estão presentes em todas as grandes economias globais, a exemplo da China, Alemanha e Estados Unidos, que na data base de 2018 tinham, respectivamente, 150.000, 15.000 e 7.000 empresas estatais , como também figuram dentre as maiores empresas do mundo: segundo a Forbes, das dez maiores empresas em 2023, quatro são estatais.
No Brasil, as estatais surgiram como um esforço do Estado para desenvolver setores estratégicos cuja iniciativa privada não teria recursos, capacidade técnica ou interesse em atuar, de forma que estas sociedades são diretamente responsáveis pela construção e fortalecimento do mercado nacional. De fato, segundo os professores Alessandro Octaviani e Irene Nohara, as estatais brasileiras surgiram como tentativa de viabilizar o processo de produção econômica nacional de maneira autônoma, sendo um dos instrumentos para a construção da soberania econômica brasileira, isto é, a internalização dos centros decisórios em matéria econômica.
A Constituição de 1988, Art. 37, determina que a criação da empresa estatal deverá ser autorizada por lei e submetida às regras gerais da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). Trata-se da constitucionalização da função das estatais como instrumentos do Estado para a execução de políticas públicas.
Dessa maneira, o papel das estatais transcende a simples exploração econômica ou obtenção de lucro. Elas existem pela necessidade de garantir a oferta de serviços essenciais, assegurar o controle de setores e recursos estratégicos, promover o desenvolvimento nacional, gerar renda, emprego, desenvolvimento e autonomia tecnológica e fomentar o mercado interno, patrimônio nacional conforme o Art. 219 da Constituição Federal.
As espécies do gênero “empresas estatais” são duas, sendo elas: (i) empresas públicas e (ii) sociedades de economia mista. A definição de empresa pública é de “entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito”, nos termos do Decreto-Lei nº 200 de 1967, Art. 5º, II.
Por sua vez, a sociedade de economia mista é definida pelo Art. 3º da Lei nº 13.303/2016 como a “empresa estatal, dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada após autorização legal específica, integralizada com a participação do Poder Público e de pessoas físicas e entidades não estatais na formação do capital e na administração, organizada sob a forma de sociedade anônima para o desenvolvimento de atividade econômica ou prestação de serviços públicos”.
Segundo Bercovici, tais dispositivos constitucionais vinculam e conformam juridicamente a atuação do Estado por meio das empresas estatais ao regime jurídico da administração pública. Por isso, as suas atividades extrapolam o disposto no artigo 173, § 1o, II, que equipara o regime jurídico das empresas estatais prestadoras de atividade econômica em sentido estrito ao das empresas privadas. Segundo o autor, a “natureza jurídica de direito privado é um expediente técnico que não derroga o direito administrativo, sob pena de inviabilizar a empresa estatal como instrumento de atuação do Estado”. No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que a personalidade jurídica de direito privado da empresa estatal é um ponto acidental que não é capaz de alterar seu caráter essencial: trata-se de instrumento de ação do Estado na Ordem Econômica de forma que “nada pode dissolver este signo insculpido em suas naturezas”.
Para além das disposições constitucionais, o regime jurídico básico das estatais é determinado pela Lei nº 13.303 de 2016 (“Lei das Estatais”), que dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista. Vale ressaltar que essas regras coexistem com as disposições da Lei nº 6.404 de 1976 (“Lei das Sociedades Anônimas”) e da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, quando aplicáveis.
A Lei das Estatais prevê a obrigatoriedade do estatuto da empresa estatal observar regras de governança corporativa, de transparência e de estruturas, práticas de gestão de riscos e de controle interno, composição da administração e proteção dos acionistas, inclusive os minoritários (Art. 6º).
Além disso, também dispõe sobre os órgãos que necessariamente deverão existir nas estatais: Conselho de Administração, Diretoria, Conselho Fiscal e Comitê de Auditoria Estatutário (Art. 9º, caput e Art. 22, §1º). Embora essas medidas componham os mecanismos de controle interno das estatais, elas também estão sujeitas ao controle externo exercido por diferentes órgãos. A Constituição Federal estabelece que tais mecanismos de fiscalização sejam exercidos pelo Congresso Nacional (Art. 49, X), pelo Tribunal de Contas da União (TCU) (Art. 71, II, III e IV) e pela Controladoria-Geral da União (CGU).
O poder de controle das estatais é exercido obrigatoriamente pelo Poder Público. Segundo o Art. 4º, §1º da Lei das Estatais, os deveres e responsabilidade do poder público como controlador da estatal são os mesmos que as responsabilidades do acionista controlador estabelecidas na Lei das Sociedades Anônimas, isto é atuar com o fim de “fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social” (Art. 116, parágrafo único da Lei das Sociedades Anônimas). Ainda, no referido Art., a Lei das estatais reforça que o Poder Público deverá exercer o poder de controle no interesse da companhia, respeitado o interesse público que justificou sua criação.
Em seu Art. 27, a Lei das Estatais reitera a função social de realização do interesse coletivo ou atendimento a imperativo de segurança nacional, em referência ao Art. 173 da Constituição Federal , além de acrescentar que as estatais, ao perseguir o interesse coletivo, deverão considerar o bem-estar econômico e a alocação socialmente eficiente dos recursos geridos, ampliar de maneira economicamente sustentável o acesso dos consumidores aos seus produtos e/ou serviços, e adotar ou desenvolver tecnologias brasileiras para a produção ou oferta de seus produtos e serviços, sempre que economicamente justificável.
Por fim, a Lei estabelece que as estatais deverão adotar práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social corporativa compatíveis com o mercado em que atuam, e estão autorizadas a celebrar convênio ou contrato de patrocínio, com pessoa física ou com pessoa jurídica, para promoção de atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica (Art. 28).
Assim, mais do que simples agentes econômicos, as estatais desempenham um papel estratégico na construção da soberania e do desenvolvimento nacional. Seu regime jurídico não apenas reforça esse papel ao estabelecer um conjunto de normas que asseguram sua atuação como instrumentos do Estado na execução de políticas públicas, mas também reafirma o papel do Estado como controlador dessas empresas, garantindo que suas decisões sejam subordinadas ao interesse público e à função social da estatal. Além disso, essa estrutura normativa impõe padrões de governança e transparência na gestão das estatais, ao mesmo tempo em que estimula a observância da responsabilidade social, ambiental e econômica como princípios fundamentais de sua atuação.
OCTAVIANI, Alessandro e NOHARA, Irene Patrícia. Estatais. São Paulo, Thomson Reuters, Revista dos Tribunais; 2º edição, 2021.Páginas 25-30.
São elas: (i) Banco Agrícola da China; (ii) China Construction Bank; (iii) Banco Industrial e Comercial da China e (iv) Saudi Aramco. Andrea Murphy e Hank Tucker. Forbes Global 2000: quais são as maiores empresas do mundo em 2023, Forbes, 05/02/2025. Disponível em
> Acesso: 04/06/2024.
OCTAVIANI, Alessandro e NOHARA, Irene Patrícia. Estatais. São Paulo, Thomson Reuters, Revista dos Tribunais; 2º edição, 2021.Páginas 46-47
Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.
Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia.
BERCOVICI, Gilberto. A atuação do Estado brasileiro no domínio econômico. In: COSTA PINTO, Eduardo; CARDOSO JUNIOR, José Celso; LINHARES, Paulo de Tarso. (Org.). Estado, instituições e democracia: desenvolvimento. Brasília: IPEA, 2010, v. 3, página 482.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 36º edição. Belo Horizonte: Fórum. 2023. Página 167
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
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